Prêmio Especial do Júri (presidido pela cineasta e atriz Nadine Labaki) na Un Certain Regard no Festival de Cannes
Em algum lugar entre Potsdam e Berlim, em 1774, pouco antes da Revolução Francesa, Madame de Dumeval, Duque de Tesis e Duque de Wand, libertinos expulsos da puritana corte de Luís XVI, pedem apoio ao lendário e sedutor Duque de Walchen, livre-pensador alemão, que vive solitário num país onde reinam a falsa virtude e a hipocrisia. A missão deles é exportar a libertinagem, filosofia do século das Luzes baseada na rejeição aos limites morais e às autoridades, mas, além disso, precisam encontrar um lugar seguro para realizarem seus jogos libertinos., nos quais a busca por prazer obedece apenas às leis ditadas pelos desejos não realizados.
Roteiro: Albert Serra
Fotografia: Artur Tort
Montagem: Ariadna Ribas, Albert Serra, Artur Tort
Som: Jordi Ribas
Música: Marc Verdaguer, Ferran Font
Produção: Montse Triola, Claire Lion, Marta Alves, Elisabeth Pawloski
Elenco: Helmut Berger, Marc Susini, Baptiste Pinteaux, Iliana Zabeth, Laura Poulvet, Lluís Serrat, Alex Garía Düttman, Théodora Marcadé, Xavi Pérez, Francesc Daranes, Câtâlin Jugravu, Montse Triola
Classificação indicativa: 18 anos
Albert Serra, cineasta e artista catalão, nasceu em Banyoles, em 1975. Estudou filosofia e literatura, escreveu peças de teatro e produziu diversos trabalhos em vídeo. Tornou-se internacionalmente reconhecido com seu primeiro longa-metragem, Honor of Knights, exibido na Quinzena dos Realizadores, em Cannes, em 2006. Em 2013, Serra recebeu o Leopardo de Ouro em Locarno por seu filme, História da minha morte, inspirado nas memórias de Casanova. Em 2016 lançou A Morte de Luis XIV, com o lendário Jean-Pierre Léaud protagonista. O Rei Luis XIV é novamente retratado por ele em 2018, com Roi Soleil.
Data de lançamento: 12 de março de 2020
Filme exibido nas seguintes cidades: Curitiba, Aracaju, Brasília, Niterói, Porto Alegre, Ribeirão Preto e Rio de Janeiro.
Entrevista do diretor Albert Serra concedida ao jornalista e crítico francês Philippe Azoury em maio de 2019.
* extraído do material de divulgação do filme
Inicialmente, minha ideia era criar algo sombrio a partir da peça sobre o desejo que eu havia feito na primavera de 2018, no teatro Volksbühne, em Berlim. O teatro é o que é, e, muitas vezes, pode parecer bastante formal. Com o filme, sabia que poderia ir mais longe, aprofundar o questionamento sobre o desejo, o mal-estar ligado ao desejo. Então tive a ideia de fazer tipo um cruising (um lugar público de encontro sexuais), um cruising histórico... sobre algumas pessoas que foram expulsas da corte francesa em 1774, após a morte de Luís XV, que era um grande libertino. Luís XVI decidiu exilá-los para trazer a ordem de volta à vida na corte. (Albert Serra)
Por que outro filme histórico, depois de História da minha morte e A Morte de Luis XIV?
Talvez pela necessidade de lançar um olhar diferente, à distância, sobre o atual mal-estar relacionado à sexualidade: pedindo aos libertinos franceses do século XVIII que olhem para nós, procurando em suas atitudes um detalhe, um fragmento, algo que permita que o filme viaje através dos séculos até alcançar uma forma de lixo contemporâneo. Trata-se de um filme de época, mas poderia ser perfeitamente um filme sobre os clubes noturnos de Berlim ou de qualquer outro lugar. Locais onde encontramos o mesmo tipo de cruising erótico, onde não há níveis hierárquicos, pessoas bonitas ou feias, homens ou mulheres, ricos ou pobres, senhor ou escravo; tudo é intercambiável, sem nenhum grilhão de vaidade. Há apenas corpos, impulsos, desejos. Você pode finalmente se esquecer. Este é um ideal realmente contemporâneo.
Onde estão esses libertinos?
Em uma clareira na floresta. Eles acabam exportando os valores da corte para as províncias alemãs. Esta viagem para a Alemanha fica mais explícita na peça de teatro. Em relação a este detalhe, o filme é mais vago. Eles estão praticamente em um não-lugar, desvinculado de qualquer localização geográfica específica. Esses libertinos estão perdidos. Já não sabem se enfrentam a morte, em busca de seus ideais, ou se, ao contrário, procuram refúgio num convento, tal como fez Madame Du Barry para expiar seus pecados, em um confronto final com o catolicismo.
Quem são seus atores?
Alguns não são profissionais, atores de cinema ou do teatro, pessoas da equipe que tinham vontade de atuar, de se jogar na improvisação, e amigos que estão presentes em todos os meus filmes...
Quais foram as fontes de inspiração para o seu texto? Você se inspirou em Sade e em outros autores do século XVIII ou suas cenas são totalmente originais?
Inicialmente, recorri há vários textos, mas, no final das contas, a maior parte do texto é minha. Há algumas citações dispersas. O primeiro discurso é um trecho das memórias de Casanova, que Michel Foucault cita como exemplo da extrema e arbitrária crueldade do poder, ou seja, do Estado.
Você disse que o filme é bastante improvisado.
A peça já havia sido escrita. Como eu já tinha tudo em mente, pude me dar ao luxo de me afastar do texto. Planejei o filme de forma diferente: livre do peso retórico. Pude então começar com uma inofensiva narrativa fictícia e lentamente mergulhar no lixo contemporâneo. Visualmente falando, não há mudanças, o conjunto e os arredores permanecem os mesmos, mas o tom muda gradualmente.
Graças ao seu trabalho com as sombras, a escuridão e o som fora da tela, o filme deixa muito espaço para a imaginação do espectador. Ou seja, podemos inventar e produzir mentalmente imagens que são sobrepostas às suas. Somos um pouco como Sade, que escreve para a esposa de sua cela: “[Você] fez-me criar fantasmas que terei agora de realizar…”
Toda a edição foi pensada com esse propósito. Não há elipses. Tudo flui diretamente. O que acontece fora da tela é decisivo. Gravamos continuamente, o que significa que conseguimos quase trezentas horas de filmagem, para um longa-metragem que dura apenas 2h12m. A edição levou meses. Cenas inteiras desapareceram.
Saímos do cinema hipnotizados.
Este era meu objetivo: que o filme afetasse fisicamente o espectador e produzisse o tipo de estado atordoado que sentimos ao sair de uma boate nas primeiras horas da manhã. Um filme mental, que não nos permite distinguir aquilo que vimos daquilo que ouvimos ou imaginamos. O público representa e dirige, junto comigo. Às vezes, somos os voyeurs, em outras, são eles que olham para nós e exigem nossa atenção. Talvez estejam nos observando, observando nossas reações com enorme escrutínio. A própria gravação do filme foi uma verdadeira experiência. Filmamos por dezenove dias em Portugal, em setembro (decidimos que o filme seria feito, no ano passado, durante o Festival de Cannes). Portugal foi uma escolha fácil: precisávamos de um local que ainda estivesse quente o suficiente em setembro para evitar um desconforto adicional aos atores. Na verdade, devo dizer dezenove noites, pois, salvo o prólogo, todo o filme foi filmado à noite – naquela floresta e naquelas árvores que lembram o Parc-aux-Cerfs de Versailles ou, mais recentemente, os cruising spots (os lugares de pegação) de Um estranho no lago de Alain Guiraudie.
A pintura do século 18 também te inspirou?
Sim, acima de tudo François Boucher, pois ele documentou bastante o Parc-aux-Cerfs de Versailles, bem como as mulheres que moravam lá, em particular Marie-Louise O`Murphy. Watteau e Chardin também, mas em menor grau. Principalmente Boucher; Boucher e Fragonard. As cadeiras têm um estilo deliberadamente rococó e barroco. Nós as usamos na peça e também no filme; ficavam um pouco mais desgastadas depois de cada noite.
Durante a gravação, após a definição do set, como você “encenou” estas noites?
Em cada noite, não sabia até onde poderíamos ir, quão explícitos poderíamos ser. Isto dependia dos atores e odeio ter que perguntar algo assim. Tudo precisa acontecer espontaneamente, o que significa que é necessário criar uma atmosfera propícia. Deixo-os atuar livremente. É meu lado Andy Warhol. Não imponho nada, mas crio uma forma de intimidade que os influencia. Isto também implica certa violência e tensão, caso contrário, não funciona. A solicitude direcionada às pessoas imprime algo em seus rostos que não me interessava para este filme. Eu precisava de um pouco mais de tensão. O trabalho do ator começa com essa tensão entre intimidade e exibicionismo. Algo deve acontecer, faiscar dentro do ator. Se eu não conseguir alcançar esta intimidade com o ator, tudo parecerá apenas pornografia e irei fracassar em meu projeto. Portanto, removo coisas, crio fragmentos e, principalmente, fetichizo. No meu trabalho, minha abordagem é subtrativa. Acrescento bem pouco ao que me é oferecido. Afasto-me em alguns momentos para alcançar esta tensão, este resultado reduzido. Você conhece o livro de Annie Le Brun sobre Sade?
… “Sade: A Sudden Abyss”...
Annie Le Brun diz: “Ele é uma máquina de remover ideias”. Sade tinha uma abordagem subtrativa à sua época. Remover ideias! Quem faria isso hoje? Espero que o filme funcione dessa mesma maneira: sua vaidade está em presumir a remoção de ideias. Mas a razão disso tudo é que simplesmente não tenho opiniões estabelecidas sobre a sociedade atual, nem sobre o lugar atribuído ao sexo, à moral, em particular. Apenas tento confrontar o presente com o século 18 e observar a subtração que esta comparação produz.
E quanto ao título?
Ele brinca com a palavra libertino... Liberdade. Talvez seja um título sombrio. O filme também é sombrio, sei disso, mas não sou uma pessoa sombria. Por que esse filme tem predileção pelo sombrio? Talvez por questionar para onde essa liberdade nos conduz, para qual ausência? Esta ausência é suportável? Ela tem um preço…
E esta ausência, é a ausência de Deus?
Sim. No filme, há uma frase que pode resumi-lo bem: "Deus é um pervertido com quem eu gostaria de lidar.” Há uma escalada do desejo, eternamente insatisfeito; isto leva ao desejo de morte. Com Sade, o desejo se torna antiburguês; é impossível ajustar as contas com ele e permanecer insaciável.
O filme experimenta o mundo de Sade; faz de Sade um teatro possível. Você se lembra que Georges Bataille criticou os surrealistas, particularmente André Breton, por transformar Sade num simples escritor e, consequentemente, aniquilá-lo? Segundo Bataille, Sade deve ser encenado, vivido e experimentado. Isto significa tocar nos limites daquilo que pode ser mostrado, ou seja, não ter medo de se aproximar do horror...
Annie Le Brun também repreendeu aqueles que reduziram Sade à literatura ou à pura fantasia. Pessoalmente, sou um grande admirador da luz que Annie Le Brun lança sobre Sade. Ela acha que nunca vamos suficientemente longe (risos).
O que te interessa sobre o século 18 na França?
Tudo. O nascimento de uma civilização e a sofisticação, algo ainda muito vivo, onde nada está totalmente estabelecido. A sofisticação ainda não tinha ido longe, congelando a vida ou abrindo caminho para regras. Ainda havia alguma forma de rebelião, algumas utopias. Nesse momento crucial, havia também a invenção da Europa. Não de uma Europa econômica, mas, sim, cultural: a Europa de Casanova. Como estrangeiro, posso abordar este século francês de maneira puramente estética e formal; imaginá-lo através de Fragonard. Pura fantasia. Também posso abordá-lo de uma maneira pessoal, menos respeitosa.
Isto implica passar por Buñuel?
Possivelmente, sim. Realmente gosto de Buñuel. Em seus últimos filmes, há certa grandeza no fetichismo. Tristana é um filme magnífico. O mal-estar se estabelece ainda mais profundamente. O que ele fez, em termos da tensão, relativa ao sistema de repressão-transgressão, exala uma força que ainda permanece intacta.
2018 Roi Soleil
2016 A Morte de Luis XIV
2013 Història de la meva mort
2013 Els tres porquets
2011 El senyor ha fet en mi meravelles
2008 El cant dels ocells
2006 Honor de Cavalleria
2003 Crespià, the film not the village
Festival de Cannes 2019 - Un Certain Regard (Special Jury Prize)
Film Fest München 2019
T-Mobile New Horizons International Film Festival-Wroclaw 2019